Este livro é o resultado de nossa tese de doutorado defendida na Universidad del Museo Social Argentino – UMSA, a qual, mesmo passada uma década, ainda nos parece relevante como contribuição para promover uma necessária inovação normativa em nosso ordenamento penitenciário. Razão pela qual foi traduzida tanto do espanhol como do “juridiquês” e editada sem as formalidades das peças acadêmicas, tendo sido, também, atualizada por meio de algumas inserções pontuais, já que, desde então, pouco se modifcou no caos do sistema penitenciário brasileiro. Advogado formado em 1991, estagiário em escritórios de advocacia desde 1989, conhecedor das prisões do sul ?uminense, algumas verdadeiras masmorras medievais, iniciei-me no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro já no início de 1992. Minha primeira incursão ocorreu em uma manhã fria e chuvosa de domingo na penitenciária feminina Talavera Bruce no complexo prisional de Bangu. Em frente ao portão principal ouvia-se o choro agudo e constante dos flhos das detentas, que até os seis meses fcavam na creche do presídio e pareciam pressentir o afastamento premente de suas mães, próximo de mim as pessoas se aglomeravam para ver, admirar e ouvir Leopoldo Heitor, o famoso “advogado do diabo”, uma lenda da advocacia carioca desde os anos 1950. Diante daquele enorme portão me senti inseguro, despreparado..., mas o destino já estava traçado, e assim já se passaram mais de trinta anos por outros inúmeros portões: como advogado nas penitenciárias do Rio de Janeiro, e como defensor público federal na penitenciária de Água Santa onde fcavam os presos federais; tendo sido o primeiro a prestar assistência jurídica no único presídio militar do Brasil localizado na Ilha das Cobras, Rio de Janeiro (2004/05) e também na primeira penitenciária federal de segurança máxima inaugurada em Catanduvas, Paraná (2006)1. Nestes muitos anos aprendemos, com muita humildade, que o essencial não eram os processos e suas decisões, mas sim as pessoas e suas histórias de vida, às quais sempre prestamos o devido suporte de fraternidade e sobretudo o respeito necessário para que pudessem acreditar na construção de uma nova história.
Os prisioneiros, protagonistas destas tristes histórias, regra geral egressos das minorias raciais, étnicas e sociais de nossa sociedade, apesar de todo o esforço de suas famílias para que se afastem do ciclo de criminalidade não encontram uma estrutura sólida que lhes permita sua (re)inserção social, pois nos seus caminhos se deparam com as necessárias estratégias de sobrevivência nas cadeias e mesmo quando voltam (ou são jogados) às ruas não encontram trabalho, a não ser nas redes de marginalidade que se expandem para acolher estas massas que formam verdadeiras minorias de segunda geração, deliberadamente discriminadas por nossa sociedade. Nosso sistema penitenciário nem sempre viveu neste fosso social introduzido pelo cientifcismo flosófco do século XIX. Pois na história do Brasil sempre houve dispositivos de agregação social disponibilizados aos apenados, razões pelas quais não podemos aceitar este paradigma hodierno de descartabilidade humana com o qual regra geral são tratados os egressos do sistema penitenciário. Procuramos, em síntese de nosso trabalho, utilizando de nosso conhecimento prático e de nossos esforços acadêmicos, apresentarmos subsídios históricos, sociológicos, flosófcos e jurídicos para que a sociedade possa discutir a introdução da ressocialização dos egressos como direito fundamental no rol dos incisos do artigo quinto da Constituição Federal, onde já se encontram dispostos os direitos fundamentais dos presos e condenados. Restando-nos, por nossos compromissos constitucionais com a igualdade e a dignidade humana, nos esforçarmos para que esta nova perspectiva de direito, se reconhecida pela via normativa como fundamental, não venha a ser somente mais um elemento teórico na esfera do atual “estado de coisas inconstitucionais” que impera em nosso sistema prisional.